TERESA DE SALDANHA
Teresa Rosa Fernanda de Saldanha Oliveira e Sousa (1837 – 1916)
Proveniente de uma família nobre, Teresa nasceu no dia 4 de setembro no Palácio da Anunciada, na Rua das Portas de Santo Antão, em Lisboa. Filha de João Maria do Sacramento de Saldanha Oliveira Juzarte Figueira e Sousa e de Isabel Maria de Sousa Botelho, terceiros condes de Rio Maior. Foi batizada no dia seguinte ao seu nascimento na Capela do Palácio da Anunciada e, em 1848, fez a Primeira Comunhão no altar de Nossa Senhora da Conceição, na Igreja dos Inglesinhos, em Lisboa.
De estado de saúde débil e preocupante Teresa tornou-se muito sensível, necessitando desde cedo da permanente presença e dedicação da mãe. Em 1840, aos três anos, devido à persistência de sua mãe, Teresa recuperou do estado de saúde debilitado e aprendeu a ler (em 1842 já acompanhava as celebrações litúrgicas com o missal).
A mãe teve um papel preponderante na sua orientação, primeiro na educacional ensinando-lhe letras (português, história, francês, inglês e alemão), os princípios da música e da arte e colaborando com professores particulares escolhidos por si, e na religiosa iniciando-a na prática da misericórdia através da Associação de N. Sra. Consoladora dos Aflitos que fundou em 1849 e que se dedicava ao socorro das famílias que viviam na pobreza.
Em 1855, com dezoito anos, ao pintar o Ecce Homo, Teresa sentiu o primeiro apelo místico e fez voto de castidade e um ano mais tarde redigiu um escrito onde declarou claramente a sua opção de exclusividade a Deus e ao serviço dos pobres.
Dirigiu o Colégio de Sta. Marta para Meninas Pobres, apoiado pelas Filhas da Caridade de S. Vicente de Paulo que se encontravam em Portugal exercendo a sua missão de atender aos pobres e desprotegidos. Em 1859, fundou, em Lisboa, com algumas amigas e dirigiu durante toda a sua vida a Associação Protetora das Meninas Pobres com Estatutos aprovados pela Santa Sé, a 21 de abril de 1863. Esta associação está na origem da fundação da Congregação. Dedicava-se à educação de crianças pobres e à alfabetização e promoção de raparigas operárias através de aulas externas. Em 1862, as religiosas francesas foram expulsas de Portugal e Teresa, inconformada com a situação, lutou contra esta lacuna assistencial.
Em 1864 foi submetida a uma intervenção cirúrgica e, durante a convalescença, refletiu sobre a sua vida e sobre o rumo a seguir. Na sequência destes acontecimentos, e numa tentativa de renovação religiosa do país apesar do ambiente anticongregacionista em que se vivia, Teresa manifestou à sua mãe o desejo de ser religiosa e à sua cunhada, a Marquesa de Rio Maior, a intenção de ingressar nas Irmãs da Ordem Terceira de S. Domingos, em Stone/Inglaterra, para a qual já estava aceite. Como o pai se opôs à sua saída para o estrangeiro e, vendo a necessidade do seu país, sentiu que Deus a chamava a fundar em Portugal uma congregação que se dedicasse ao serviço dos mais pobres e desfavorecidos da sociedade, como a própria salientou:
“Vendo a necessidade de estabelecer na minha Pátria uma ordem Religiosa ativa, que se pudesse ocupar da educação de crianças pobres e ricas, pondo em prática todas as obras de misericórdia; que tratasse dos pobres doentes, os visitasse nos seus domicílios, numa palavra, que substituísse entre nós as Irmãs da Caridade.”(THIAUCOURT, Madre Teresa de Saldanha. Vida e Obra, p. 27)
Em 1866, Teresa tinha intenção de partir com as primeiras duas irmãs para fazer o Noviciado na Irlanda num Convento de Dominicanas Contemplativas, mas foi impedida pelo pai. Só em 1887 conseguiu realizar o seu sonho quando tomou o Hábito e iniciou o Noviciado a 18 de abril com o nome de Irmã Teresa Catarina Rosa Maria do Santíssimo Sacramento. Fez a Profissão Religiosa a 2 de outubro e foi nomeada a primeira Superiora Geral da congregação a 9 de novembro, com licença especial de Breve de 21 de dezembro de 1887 emitida pelo Papa Leão XIII. Estes acontecimentos culminaram com a tomada de posse do cargo de Superiora Geral no dia 15 de janeiro de 1888 e, mais tarde, em 2 de outubro de 1892, com a Profissão Perpétua.
Teresa de Saldanha distinguiu-se na pintura onde aprendeu com os mestres Mr. Leberthais (carvão) e Tomás José da Anunciação (aguarela e óleo), revelando grande talento para pintar paisagens, retrato ou motivos profanos e uma preferência pela iconografia religiosa. Deixou obras de grande qualidade pictórica que foram estudadas por alguns especialistas, como António Quadros numa conferência proferida em 1988, nos 150 anos do seu nascimento, na Fundação Calouste Gulbenkian, intitulada Romantismo e Misticismo na Pintura de Teresa de Saldanha. Destacam-se nas suas obras: um auto-retrato e vários retratos de família (primeiros carvões, 1851), Ecce Homo (1855-1856), carvões, aguarelas e óleos (1856), Painel do Sagrado Coração de Jesus e S. João Baptista (Goa, 1865), Santa Brígida (Convento das Inglesinhas, 1865), Nossa Senhora e o Menino Jesus (Hospital de S. Luís das Irmãs da Caridade Francesas, 1865), Painel em honra da Beata Maria dos Anjos (1865), as últimas produções pictóricas (1869), a Mater Dolorosa e Santa Rosa de Viterbo.
Deixou também um grande espólio literário de escritos pessoais e de circunstância, nomeadamente notas autobiográficas e das suas memórias, orações, cartas, relatórios e contas. Faleceu com fama de santidade numa pequena casa alugada na Rua Gomes Freire, n.º 147, em Lisboa, no dia 8 de Janeiro de 1916 com setenta e oito anos, completamente despojada dos seus bens que lhe tinham sido retirados com a implantação da República. As exéquias foram realizadas na Igreja do Corpo Santo, em Lisboa, e o seu corpo foi sepultado no jazigo da Congregação no Cemitério de Benfica, na mesma cidade, onde hoje repousa.
Teresa de Saldanha foi a primeira mulher fundadora em Portugal após a extinção das ordens religiosas. Tinha uma personalidade forte, determinada, organizada, uma notável capacidade de liderança e era trabalhadora, culta e piedosa, valores que imprimiu ao longo da sua vida em todas as ações que realizou, não esquecendo jamais a sua grande paixão a Deus e aos pobres. Foi, sem dúvida, uma grande figura feminina que se adiantou ao seu tempo, ao ocupar-se da educação feminina, e que soube corresponder às necessidades impostas pela evolução da sociedade. À data da sua morte fundara 27 casas: em Portugal 17, no Brasil 6, na Bélgica 1, nos E.U.A. 2 e em Espanha 1.
A sua memória, que continua viva nos corações tocados pela sua bondade e perseverança, serviu ao longo dos anos de inspiração à realização de diversas comemorações relacionadas com a sua vida e obra e com a congregação que fundou, através da publicação de livros, biografias e artigos, fotografias, conferências, exposições, peregrinações, programas de rádio e televisão, dramatizações, autocolantes, postais, cartazes, desdobráveis, etc.
Em 1937, foi comemorado o 1º Centenário do Nascimento de Teresa de Saldanha; em 1939, o 80º Aniversário da Associação Protetora das Meninas Pobres; entre 1968 e 1969, o 1º Centenário da Fundação da Congregação; em 1987, nos 150 anos do Nascimento de Teresa de Saldanha, foi lançada pela Congregação uma coleção de selos com o rosto da fundadora e, um ano mais tarde, foi atribuída à Rua Particular, à Estrada da Póvoa, o topónimo “Rua Teresa de Saldanha”; em 1993, 1994-1995 e 2000 foram promovidos Encontros Internacionais sobre assuntos de interesse da Congregação; a Câmara Municipal de Lagoa, no Algarve atribuiu, em 1995, o seu nome a uma rua; em 2001, a Câmara Municipal de Rio Maior gratificou o topónimo de “Madre Teresa de Saldanha” a uma rua da cidade.
Atualmente decorre o seu Processo de Canonização que abriu em Portugal a 6 de novembro de 1999 e encerrou a 17 de novembro de 2001, entregue em Roma a 14 de fevereiro de 2002.
No dia 8 de dezembro, de 1855, com dezoito anos, Teresa de Saldanha, fez, particularmente, a sua consagração a Deus. A partir daí, procurou viver mais intensa e intimamente a relação pessoal com Jesus, o grande e único amor da sua vida.
Escreve esta oração reveladora desse compromisso:
Meu Amado Esposo, Só Vós sabeis a alegria que sinto quando considero que mais de um ano decorreu já, desde que o meu coração, pela primeira vez, entre os Vossos sagrados abraços, ardeu em desejo de os possuir, meu amado e doce Jesus, por meu único Senhor e Mestre. Como pudestes ser, por tanto tempo, insensível aos meus rogos? Vinde, não vos detenhais.
Eu desejo, sobre todas as coisas, fazer a Vossa Divina Vontade e reconheço humildemente que estou pronta, absolutamente pronta, para obedecer aos Vossos Mandamentos e cumprir o que desejardes de mim; mas é mau que eu diga isto e, contudo, só tenho um desejo, que é o de Vos pertencer inteiramente, ó meu Jesus.
Oh! Eu sinto a toda hora que me estais chamando cada vez mais para Vós.
Nada neste mundo me encanta ou atrai, o meu deleite é pensar em Vós, falar de Vós, abrir-Vos o meu coração e introduzir todo o meu afecto na chaga do Vosso Sagrado Coração.
Posso já chamar-me esposa de Cristo, mas, no entanto, ainda não Vos consagrei o meu coração para sempre, foi só por um limitado espaço de tempo.
O sonho de se consagrar a Deus pelos votos na Congregação que fundou, só foi possível muitos anos mais tarde, quando já tinha cinquenta anos, no dia 2 de Outubro de 1887.
A própria Teresa conta porque escolheu ser dominicana:
Pensava eu na Ordem de São Domingos, pelo motivo da grande devoção que eu tinha para com este Santo, hereditária em mim pela devoção que sempre houve na minha família paterna para com a Ordem de São Domingos. Na capela dos meus pais existia uma imagem muito milagrosa do nosso Santo Patriarca e até havia uma tradição, que desde criança ouvi contar, que esta imagem tinha falado uma vez e dito um segredo a uma das minhas avós. Esta imagem ficou-me pertencendo depois da morte de meu pai. São Vicente Ferrer, é o Santo padroeiro da minha família. Tenho lido o Lacordaire e muito gosto. Mas, que impressão, parece-me que se está aqui passando o mesmo que naquele tempo se passava em França, as leis tão opostas e depois, o que o Lacordaire sentia: desejos e receios; isto que tão bem percebo. E o seu amor irresistível pela solidão. Cuidava ser essa a sua vocação e não era. Como eu percebo isto tudo. Mas, tenho quase vergonha de dizer isto, receando que possa fazer supor eu me atrevo a pôr-me na altura do Lacordaire, tão cheio de talento, e tão superior. Mas, como admiro a nossa santa Ordem! Quem é liberal não pode deixar de ser Dominicano.
Feliz e Alegre
Teresa de Saldanha foi, ao longo de toda a vida, uma pessoa feliz, contagiando os outros com a sua alegria. Criada num ambiente afável, cheio de carinho e afecto, gostava de brincar, estudar, rezar e ensinar. Alegrava-se com as pequenas coisas da vida, tinha bom humor, tirava partido dos acontecimentos e sabia rir.
Cedo descobriu que a chave da felicidade se encontra na prática do bem, e no acolhimento ao projecto de Deus para a sua vida. Por isso pôde testemunhar:
Feliz, mil vezes feliz sou eu e por tudo dou graças a Nosso Senhor.
Nada se pode comparar com a alegria de ser toda de Deus.
Sinto uma grande alegria ao pensar na tão grande misericórdia de Deus.
Apaixonada e Carismática
Nascida em pleno coração da Lisboa romântica, Teresa revela, desde jovem, grandes paixões: a vida, os estudos, a pintura, a música… Tudo isso, porém, para colocar ao serviço de outra grande paixão: Deus e os pobres com quem se solidarizou.
Foi a vida real e as pessoas concretas que lhe foram moldando o coração para a compreensão dos problemas sociais. No meio das preocupações dos grandes, entre os quais vivia, conseguiu ouvir o clamor dos pequenos e deitou mãos a uma causa que os iria proteger. Dotada de grande carisma, descobre caminhos novos que a levariam mais além, de modo permanente, com generosidade redobrada e novas possibilidades de bem fazer.
Audaz e Corajosa
A hostilidade dos tempos, em que viveu Teresa de Saldanha, dá mais relevo à sua audácia que transcende os critérios da prudência humana, ao responder com coragem e ousadia aos desafios da sociedade e da Igreja.
Ao empreender a obra da fundação, tem consciência de que está a cometer, humanamente falando, a maior das imprudências.
Contudo, tendo uma personalidade determinada, persistente, capaz de superar os desânimos, avançou na sua Obra, envolvendo e motivando outras pessoas, desde familiares a amigas ou personalidades de relevo social e eclesial.
Ele olha-me sorrindo para me dar força e eu havia de perder a coragem?
Líder e Determinada
Teresa de Saldanha tinha uma personalidade forte, determinada e organizada, com capacidade de liderança. Ainda criança organizava festas com outras crianças e substituía a sua mãe na orientação dos irmãos.
Na juventude, fundou a Associação Protectora de Meninas Pobres, sendo eleita presidente da mesma, consecutivamente, até à morte, e levou diversas pessoas a colaborarem com ela nesse projecto. Deve-se à sua capacidade de liderança e determinação o progresso da obra que, rapidamente se espalhou pelo País.
Após a sua entrada na Congregação foi eleita e reeleita três vezes para o cargo de Superiora Geral e, como tal, abriu comunidades e guiou as Irmãs na organização das mesmas.
Com audácia e prudência, delegou responsabilidades, demonstrou confiança, infundiu ânimo e coragem. Conseguiu manter os laços de comunhão, apesar das dificuldades e das distâncias, zelando assim pela unidade da Congregação.
Simples e Prudente
Concretizando a palavra de Jesus: sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas (Mt 10,16)
Teresa lançou-se numa aventura verdadeiramente evangélica. Foi prudente, capaz de arriscar, revelando o gosto de fazer o bem, na simplicidade, em silêncio. Viveu, em grau heróico, a virtude da prudência nas diferentes circunstâncias da vida, soube ser ousada, mas não precipitada. Todas as suas decisões foram amadurecidas na oração, na escuta da vontade de Deus e na atenção ao tempo:
Estamos numa época em que é necessário trabalhar muito, mas trabalhar com prudência. Estou penetrada do sentimento que é necessário trabalhar em silêncio com a maior prudência. Não importa o exterior, o caso está em fazer o bem; quando mesmo seja às escondidas. Devemos trabalhar em silêncio, pois assim se fazem as obras de Deus.
Teresa de Saldanha foi iniciada pela sua própria mãe na música e na pintura, revelando um raro talento para essas artes. No piano, era das melhores discípulas do mestre Mazoni. Exercitava muitas horas por dia e animava festas e celebrações religiosas.
Na pintura, o seu primeiro mestre foi Mr. Leberthais, que, ao morrer em 1852, é substituído pelo mestre Tomás José da Anunciação.
Em 1853, iniciou-se nas técnicas de aguarela e óleo onde revela grande talento ao pintar paisagens. Tinha, além de grande habilidade, a rara arte de saber compor bem as cores. Foi a iconografia religiosa que nela despertou maior entusiasmo. Ao pintar o Ecce Homo, Jesus Cristo, o Filho de Deus condenado (Jo 19, 5), Teresa sentiu o seu primeiro grande apelo místico. Além deste quadro pintou Nossa Senhora, o Sagrado Coração de Jesus e Santa Rosa de Viterbo. Entre os vários quadros, Teresa deixar-nos-á um notável auto-retrato acompanhada dos irmãos e da cunhada.
A sua obra pictórica foi estudada, entre outros, por António Quadros, numa conferência proferida nos 150 Anos do seu Nascimento, na Fundação Calouste Gulbenkian, sob o título Romantismo e Misticismo na pintura de Teresa de Saldanha, Lisboa, 1987.
Teresa de Saldanha nunca pretendeu ser escritora. Mas, efectivamente, escreveu como poucas mulheres da sua época. O seu espólio literário é constituído por escritos pessoais, de circunstância: orações, cartas, relatórios, notas, contas, etc. e o seu estilo reveste-se de suma naturalidade, simplicidade e sobriedade. Correspondeu-se com um variado leque de personagens, desde papas, cardeais, núncios apostólicos, reis, deputados, políticos, sacerdotes e religiosas de várias instituições, familiares, amigos e crianças. As suas cartas são pedaços do quotidiano que flui consoante as circunstâncias que tecem o seu viver.
Vejo qual é a sua opinião acerca de eu escrever para Stone. Pois bem, fá-lo-ei num dos próximos dias, embora eu tenha muito medo que ao começar a falar dos meus desejos e anseios, a boa Irmã pense talvez que eu estou a sonhar! Mas não importa o que possam pensar, porque Deus a seu tempo mostrará qual é a sua Santa Vontade.
Se eu estivesse em Lisboa, mostrava-lhe uma carta que uma vez recebi de Stone e, na qual, ao falarem das leis portuguesas sobre a dissolução das ordens religiosas, me diziam como era difícil e impossível restabelecê-las presentemente em Portugal. Mas vamos ver quais são os caminhos de Deus. Seguindo a minha voz interior e a atracção pela solidão bem como o desejo de deixar tudo por Deus, eu preferia deixar o meu país; mas vejo que, para já, me não é possível fazê-lo, tendo dificuldades tão grandes, que mal se podem imaginar, e se algo se restabelecesse em Portugal, talvez, sem tanta violência, eu pudesse fugir para Deus!
Carta de Teresa de Saldanha ao Padre Patrick Bernard Russell, 1865, AGC-MF, n.º 47.
Missionária
“Temos de salvar os filhos do nosso povo”
Este grito de Teresa reflecte bem a sua inconformidade perante o sofrimento injusto do seu povo, e a sua vontade de fazer algo para o libertar. A conjugação de acção social com acção pastoral, de intervenção educativa com vivência radical do Evangelho exprime a sua dimensão missionária.
A inserção no meio dos pobres era preocupação permanente, por serem estes os mais abertos ao Evangelho e os mais carenciados de apoio. Seguir Jesus exigia criatividade e paixão para atender aos marginalizados do final do século XIX: as mulheres, as crianças e os operários. Nos bairros pobres e populosos, as Irmãs de Teresa de Saldanha cuidaram dos doentes, dos diminuídos, dos marginalizados e ofereceram educação e instrução a numerosas gerações de poucos haveres, sobretudo crianças e jovens do sexo feminino. Ao querer evangelizar as crianças tinha como objectivo de através destas atingir a família, a sociedade. Um projecto evangelizador eficaz, criador de “missionários da família”.
Educadora
Teresa de Saldanha revelou-se uma excelente educadora. O seu projecto educativo é baseado numa pedagogia do amor:
Educar é formar na criança o espírito, o coração e a inteligência.
Considera que cada criança é educada para viver em boa relação com todos, porque não se pode ser feliz sozinho. Ensina a tomar nas próprias mãos a própria felicidade e a sentir-se responsável pela felicidade dos outros.
Consciente da importância da educação para a construção de uma sociedade equilibrada e justa, composta por gente verdadeiramente formada e feliz, projectou a sua acção para o futuro:
Na grande obra da regeneração da mocidade, nada há mais importante do que a educação e da educação dos filhos do povo depende, às vezes, o destino das nações.
Ao fundar a Associação Protectora das Meninas Pobres, Teresa pretendia viabilizar a educação das meninas da classe pobre, ao mesmo tempo que constituía um meio pedagógico de congregar e movimentar jovens da classe abastada, interessando-as efectivamente pela promoção social. Aspirava pois, provocar uma mudança na sociedade portuguesa, pela introdução de valores como a dignidade da pessoa, a participação social, a solidariedade. Ocupou-se da educação da mulher adiantando-se ao seu tempo, não apenas na preocupação de educar, mas também no conteúdo do ensino ministrado. Além disso, avançou com uma instrução de carácter profissional das meninas pobres. Não hesitou em dedicar-se também à educação de rapazes quando as circunstâncias pediam. Integrou deficientes nas suas escolas, concretamente surdos-mudos, trabalhando para lhes dar uma educação adequada.
Há muito tempo que tenho a firme tenção de empregar a minha vida ao serviço de Deus, mas numa Ordem activa em que possa fazer bem aos nossos queridos compatriotas e contribuir para a salvação das suas almas.
Desejo fazer o bem; mas apesar de em toda a parte poder contribuir para a salvação de algumas almas, custar-me-ia deixar o meu país onde há tanto que fazer. Parece-me que Nosso Senhor me chama a trabalhar em Portugal e o meu desejo mesmo é fazer a vontade de Deus, e trabalhar neste país aonde se faz tanta guerra a tudo quanto é bom.
A vida religiosa neste país, infelizmente, quase desapareceu; o que resta dos conventos está a morrer e quem sabe se isso não será, talvez, a vontade de Deus que antes do último convento fechar, uma simples, humilde, escondida Congregação poderá surgir em Portugal das ruínas duma vida religiosa decadente? Para conseguir esse objectivo, Teresa enviou em 1866, as duas primeiras vocacionadas para o Sienna Convent, em Drogheda, na Irlanda, onde fizeram o Noviciado. Regressaram a Portugal no dia 13 de Novembro de 1868, e abriu-se a primeira casa da Congregação no Bairro de Alfama, em Lisboa.
Rapidamente dilatou a sua obra e missão para outros locais, na capital e em vários pontos do País.
Atenta e conhecedora da realidade, animada de uma fé amadurecida na oração e no sacrifício, Teresa de Saldanha fundou, organizou e dirigiu uma Congregação de Irmãs de vida apostólica: Congregação Portuguesa das Irmãs Dominicanas de Santa Catarina de Sena.
O vento da república, em 1910, levou, qual sementeira madura, o seu sonho por outros mundos, onde floresceu e deu frutos.
São significativas as demonstrações de veneração, admiração e gratidão à Madre Teresa de Saldanha pelo seu testemunho evangélico, que emerge, com clareza, da sua vida, designando-a, explicitamente, de Mulher Forte do Evangelho, comprovando, assim, a sua fama de santidade.
D. João Evangelista de Lima Vidal ao escrever a sua biografia afirma estar a “esboçar o perfil de uma santa” e que ela “apesar de feita do nosso barro, elevou-se por uma fidelíssima correspondência à graça de Deus” e “parecia já uma santa.”
Ao longo de toda a obra, o autor refere-se a Teresa de Saldanha como santa, salientando o modo calmo e sereno com que ela, a mulher forte do Evangelho, já gasta de trabalhos e anos, reagiu na revolução republicana, acrescentando: “É sublime. Só os santos é que dizem assim.”
Lembro-me de a ter visto, muito bem duas vezes, a Madre Fundadora das Dominicanas, essa tão nobre e tão suave figura de santa, que dominava, mesmo sem querer e sem dar por isso, toda a pequenina luminosa cena.
A primeira foi em Benfica. Teresa de Saldanha estava então na plenitude da sua maravilhosa energia. Só se lhe começava a notar, ainda brandamente, aquela curva do pescoço que mais tarde, para os fins da vida, quase lhe colava o queixo ao peito. Não era muito alta. Uma doçura inefável apagava nela os traços mais acentuados ou duros da altivez do seu sangue.
Dava ideia de Santa Isabel da Hungria, inclinada para os seus pobrezinhos, a dizer-lhes palavras muito ternas e a lavar-lhes os pés feridos.
Os olhos eram pequenos e míopes, mas cheios de brilho, de uma vida acesa; desses olhos que, embora pequenos e míopes, se enterram por assim dizer, com prodigiosa penetração, pelas almas dentro, até ao fundo. Um largo sorriso lhe rasgava a boca. Não se poderia dizer, certamente, uma beleza correcta em todas as suas linhas; mas o conjunto das feições era sumamente atraente, e dela transpirava não sei que ar senhoril de bondade, que ao mesmo tempo impunha respeito e movia à confiança e, ainda mais, ao amor.
Da outra vez que a vi, foi na sua cadeirinha de inválida, na casa de Gomes Freire, em Lisboa. Tinham passado por cima daquela veneranda figura a revolução e os anos. Mas nem a revolução nem os anos conseguiram abater ou mesmo alterar a esplêndida serenidade da sua alma, a calma do seu sorriso, a doçura fidalga, ou, para melhor dizer, a unção cristã das suas maneiras. Se a encontrei de traços envelhecidos, quase presa ao seu encosto de palha, não foi preciso muito tempo para me aperceber com assombro do pleno meio-dia daquele espírito, da frescura cristalina do seu coração, e, sobretudo, já não digo só da magnanimidade da sua alma no meio de adversidades e injustiças atrozes, mas da verdadeira auréola de santidade que irradiava da augusta fronte. Se os santos não são assim, como serão eles então?
D. João de Lima Vidal
O que os JORNAIS do início do século XX escreveram
Correio Nacional – ( 10.09.1900 )
D. Teresa de Saldanha Oliveira e Sousa
Coração dinâmico, desprendida de todas as grandezas e vaidades mundanas, esta nobilíssima senhora, honra e lustre da fidalguia portuguesa, pôs os seus imensos haveres ao cumprimento dessa sublime missão, que se impôs, e onde quer que o seu valioso concurso pode ser útil à sociedade, ei-la derramando, com generosidade pasmosa, o benéfico influxo do seu imenso benfazer.
A Capital – (08.01.1916)
Poeira da Arcada
Faleceu hoje a senhora Dona Teresa Saldanha de Oliveira e Sousa que, em Portugal, instituiu a Ordem Terceira das Dominicanas.
Soube ser a fé invencível, o pensamento esclarecido e seguro, a ânsia do apostolado que as decepções e a amargura nunca encontram dispostos à derrota.
Podendo entre as mulheres de sua terra ser uma grande figura que a todos se impusesse pelo, prestígio das suas qualidades de espírito e pelo sortilégio da sua distinção natural, rompeu com uma ambição tão legítima e refugiou-se, para melhor corresponder as vozes secretas do seu coração, na obscuridade das que sacrificam a Deus num gesto de perfeita renúncia as mais gostosas ilusões de uma existência inteira.
Nunca olhou para trás.
O Dia – (08.01.1916)
Uma grande figura feminina acaba de desaparecer da alta sociedade de Lisboa e que se notabilizou pela grande cultura do seu espírito, pela suas virtudes excelsas, pela sua acrisolada fé cristã: a Senhora Dona Teresa de Saldanha Oliveira e Sousa.
Das suas grandes qualidades foi monumento a sua modelar casa de educação feminina em Benfica de que em 1910 foi desapossada a pretexto de se ministrar ali o ensino religioso, privando-a a república de uma propriedade que era legitimamente sua.
A Nação – (12.01.1916)
Homenagem à virtude
No meio cristão, no meio social, no meio aristocrático português, desapareceu uma figura de mulher … Referimo-nos à senhora Dona Teresa de Saldanha Oliveira e Sousa, irmã do último marquês de Rio Maior, fundadora e superiora do antigo Colégio de São José, em Benfica.
Agora cumprimos o dever de nos curvar reverentes ante o seu cadáver e de apontar o seu túmulo como o exemplo da abnegação, da virtude, da alteza moral no seu mais alto fatigio, da inteligência consagrada à prática do bem que não foi pouco que espalhou sobre a terra.
Já lhe ouvimos chamar Santa Teresa de Saldanha, e, com efeito, quando a vimos a derradeira vez, trouxemos dessa visita a convicção de que o seu modo, a sua brandura, a sua delicadeza, a sua afabilidade, seriam os característicos modelares das bem aventuradas.
A Defesa – (28.08.1937)
Mais uma Santa Portuguesa? Centenário memorável
Completam-se cem anos, no próximo dia 4 de Setembro que nasceu a Madre Teresa Catarina de Saldanha Oliveira e Sousa.
Esta data merece uma comemoração na imprensa católica do nosso país. Porque afinal, como disse o nosso poeta Guerra Junqueiro na fase iluminada da sua vida, quem vai adiante de todos, quem entra mais profundamente no coração do povo, que mais o comove e encanta são os santos.
Portugal precisa de a conhecer para lhe saber agradecer a largueza luminosa dos seus benefícios, e, digamos também, para a ajudar na continuação e extensão da sua obra. Por agora limitamo-nos a estas duas linhas, recordando uma figura que parece esconder-se, contra toda a justiça, num desperdício que se não explica, na sombra do esquecimento.
Somos tão ricos para a deixarmos assim sumir-se?
Obras Publicadas sobre Teresa Saldanha
ARANTES, Hemetério, D. Theresa Rio Maior, – 1916
MARQUESA DE RIO MAIOR, Fundação da Ordem das Terceiras de São Domingos em Portugal, 1ª Ed. 1923 e 2ª Ed. , Lisboa, 1987.
LIMA VIDAL, D. João, D. Teresa de Saldanha e as suas Dominicanas, Seminário das Missões, Cucujães, 1938.
CONDE DE AZINHAGA, José Pedro de Saldanha Oliveira e Sousa, D. Teresa de Saldanha Oliveira e Sousa – Rio Maior, Fundadora da Ordem das Terceiras em Portugal, sua vida nos anos de 1852 a 1858, Lisboa, 1949.
THIAUCOURT, Madre Maria Rosa, Madre Teresa de Saldanha, Vida e Obra, 1930.
THOMAS, Sister Mary OP, The Lord may be in a Hurry, Kenosha, EUA, 1965.
VVAA, Era uma vez… Thereza de Saldanha, Lisboa 1987. Uma biografia escrita por crianças, alunas do Colégio de São José, Ramalhão – Sintra, para crianças.
FILIPE, Nuno Ferreira, OH, Teresa de Saldanha – Uma vida para os outros, Lisboa, 1990.
NICOLAU, Rita Maria do Nascimento, Teresa de Saldanha – Uma Vivência Cristã no Feminino, Colecção Nova Spes, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1996. [PDF]
SALDANHA, Teresa, O Único Amor, Textos espirituais, 1998. [PDF]
GALVÃO, Maria Elisa Bueno, OP, Teresa de Saldanha – a coragem nasce do amor, Ed. Loyola, São Paulo, SP, Brasil, 2000. Este livro está traduzido em albanês [PDF]
SALDANHA, Teresa, Pensamentos de Teresa de Saldanha, Ed. Paulinas, Lisboa, 2000. [PDF]
NICOLAU, Rita Maria, Memória das Datas – 1866-2002, Lisboa, 2002. [PDF]
FONSECA, Maria Manuel, Teresa, Sonho e Ousadia, Ed. Paulinas, Lisboa, 2004. [PDF]
SALDANHA, Teresa, Cartas de Teresa de Saldanha na primeira República,1910-1915, Aletheia, Lisboa, 2006.
VVAA, Teresa no coração das crianças, Lisboa, 2007.
VVAA, Rastos Dominicanos: de Portugal para o Mundo. Universidade Católica Editora. [PDF]
GALVÃO, Maria Elisa, Ed. Loyola, São Paulo, 2012.
Conferências
Os três amores de Teresa de Saldanha, D. António Ribeiro – Cardeal Patriarca de Lisboa – 1987 [PDF]
Teresa de Saldanha cedências: O amor, a circunstância, o aforismo, Frei José Augusto Mourão, OP – 1988 [PDF]
Romantismo e misticismo na pintura de Teresa de Saldanha, Dr. António Quadros – 1988 [PDF]
Teresa de Saldanha e a renovação religiosa em Portugal, Prof. Dr. António de Matos Ferreira – 2000 [PDF]
Lacordaire e a Questão Religiosa em Portugal, Lisboa – 2003 [PDF]